O relógio apitou, eram onze da noite. Cíntia estava sentada na cama, ainda com a roupa do trabalho. Do outro lado da rua, de um bar vagabundo, vinha uma música velha, baixa. Se perguntava se aquela vida realmente valia a pena. Trabalhava o dia todo, a semana toda, não tinha amigos, não tinha vida. Não tinha nada.
Nada.
Nada.
Vivia em uma casa, um barraco, uma cabana. Escondia-se. Não dormia. À noite, só pensava. Era a hora que tinha para ela. O quarto, que faziam de sala e cozinha, era uma bagunça, uma sujeira. Viera de uma família rica, uma casa grande, um quintal limpo. E ali nem espaço para ela tinha.
Em cima dos móveis, a cocaína preparada descansava. Alguém dormia no chão perto do banheiro. Ao seu lado, Alexia roncava e o hálito se misturava ao cheiro da rua e subia até os limites do quarto. Fedia. Tudo, aquilo. Todos eles fediam.
Cíntia trocou uma vida burguesa por um amor. Um conto de fadas. No começo, tentou um ou outro menino. Não deu. No começo, os pais desconfiavam, escondiam. Não era, gostava de mulheres. Era homossexual. Gay, lésbica, sapatão, como quisessem chamar. Foi escândalo, foi expulsa.
Certamente a família ainda falava, mas agora eram elas. Sem eles. E a vida ao lado de Alexia era ótima. Era homem que ela foi achar em uma mulher.
Era.
O conto de fadas acabou e Alexia se mostrou ser nada daquilo que mostrava ser. Era grossa, rude. Não queria compromisso, não queria crescer. Era homem. Homem demais para Cíntia. E aquela história chegara ao fim há muito. Estava na hora de algo ser feito.
Arrumando as suas coisas, Cíntia viu o cigarro, ainda aceso, descansando na pedra. Olhou. Nunca experimentou, apesar das insistências. Chegou mais perto. Parecia um bicho. A fumaça saía lenta e quieta pela ponta. Tocou. É, queimava mesmo. Chegou mais perto. Olhou. Fumou. Tossiu e largou onde estava antes. Era horrível. Fedia. Olhou para onde estava o amigo de Alexia e para o banheiro. Podia escovar os dentes antes de sair. Olhou de volta para o quarto. Quantas vezes aquilo aconteceu? Uma? Muitas? Nenhuma? Nunca teve coragem. Nunca podia sair. Nunca?
Entrou no banheiro, pegou a escova, a pasta e o sabonete. Ninguém tomava banho há muito tempo por ali, não iam sentir falta.
A caminho de casa, a lua iluminava seu caminho. E assim, chorou.
Chorou por Alexia. Talvez, nunca mais amasse outra mulher. Talvez tivesse sido uma aventura, uma novidade. Uma paixão.
Mas foram a aventura, a novidade e a paixão que mudaram a sua vida. Sim, se perderiam no mundo. Mas agora ela chegava aos portões, se esquecera de como eram grandes, e ali nada daquilo iria existir. Sua vida foi mudada, sim, para sempre. Mas ali Alexia já não existia mais. Para nunca mais.
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